
AULA 01
O QUE É CRIMINOLOGIA? QUAL É O OBJETO DA CRIMINOLOGIA? QUAL É O MÉTODO DA CRIMINOLOGIA?
Essas três perguntas refletem o modo científico de fazer as mesmas perguntas que um leigo faz quando se depara com um assunto novo: o que é isso? Busca o quê? Como se faz? O cientista pergunta de modo mais técnico e, por isso, mais rigoroso. A diferença entre o olhar científico e o olhar do leigo para o fenômeno criminal é sempre essa: enquanto o leigo geralmente assinala suas observações sem preocupação com rigor, método e racionalidade, o cientista tem justamente em vista elaborar um conjunto de conhecimentos racionalmente articulados.
O paradoxal -- e até pouco tempo bastante problemático -- é que a Criminologia não tinha, nem tem, resposta exata para qualquer uma das três (básicas) questões.
O que é Criminologia? Uma pergunta ontológica (sem medo de termos filosóficos! - ontologia é a parte da filosofia que investiga o ser das coisas, ou seja, o que as faz ser o que são). Existe algum consenso sobre isso? Não exatamente. Na realidade, ao longo do tempo vamos observar que a história da Criminologia é justamente a história das batalhas entre os discursos que reivindicam para si esse nome, ainda que seja bastante heterogêneos entre si. Assim, em Lombroso é a biologia que reivindica ser a Criminologia; na Escola de Chicago, a sociologia; em Alexander, a psicanálise. Portanto, é difícil definir exatamente o que seja esse nome. Sequer temos consenso, por exemplo, acerca da data do seu surgimento.
O maior dos pensadores criminais da América Latina (e talvez do mundo), Eugenio Raúl Zaffaroni, certa vez escreveu que os primeiros criminólogos foram os demonólogos medievais, o primeiro tratado de Criminologia o "Malleus Maleficarum" (Martelo das Feiticeiras, livro que tratava de descrever as características das bruxas) e os primeiros criminólogos clínicos os exorcistas. Porém, "oficialmente", a Criminologia é produto do pensamento do século XIX, fundada pelo médico italiano Cesare Lombroso, inspirado no Positivismo e na necessidade de investigação científica do criminoso (veremos melhor isso adiante).
Uma coisa, no entanto, é relativamente consensual: a Criminologia é uma ciência empírica. Isso significa pelo menos que não podemos a confundir nem com os lugares-comuns que circulam na nossa realidade, nem com proposições de ordem metafísica sobre o crime. Quando afirmamos "metafísica" (mais um termo filosófico; aos poucos aprenderemos a usá-los) estamos nos referindo a proposições pressupostas; ou seja, descrições de eventos que não têm registro factual, que não se deram no mundo, que não são produtos da observação acerca de fenômenos concretos do mundo real. Isso abrange, por exemplo, desde a conhecidíssima teoria do contrato social (seres humanos em estado de natureza reunem-se para elaborar um contrato em que garantem a paz coletiva e passam ao estado civil) até crenças na eleição divina acerca do bem e do mal (os bons seriam descendentes de Abel; os maus, de Caim). Não temos provas históricas de que tal pacto tenha existido; tampouco que Caim e Abel sejam personagens reais. Dizer, portanto, que a Criminologia é ciência empírica significa afirmar que ela busca articular-se a partir do conhecimento empírico e constituir-se em um conjunto coerente (racional) de observações e teorias.
E o objeto? Tampouco aqui temos consenso. Muito se discutiu, por exemplo, se o objeto da Criminologia deveria ser o "crime" -- a definição prevista na lei penal --, ou o "desvio", como prefere a sociologia dos EUA. Optar por qual dos dois? E a vítima, também pode ser objeto da Criminologia?
O mesmo que ocorre com a questão da essência da Criminologia igualmente está presente no objeto: a história da Criminologia é uma batalha de discursos que pretendem definir o objeto da Criminologia. O Positivismo Criminológico, por exemplo, considera o "homem criminoso" como seu objeto principal. A Criminologia Crítica, no outro oposto, considera apenas o controle social. Teremos tempo de ver cada uma dessas hipóteses. Nesse momento, no entanto, vamos definir o objeto apenas a partir do somatório (e não do mínimo denominador comum, como fizemos antes) de tudo que poderia investigar, em tese, a Criminologia: criminoso, vítima, público e controle social. Antes de termos a perspectiva global das teorias, não conseguiremos capturar com exatidão o que significam essas diferenças em torno do objeto.
Por fim, o método. Veremos isso melhor no próximo encontro. Nossa matriz de conhecimento baseia-se, fundamentalmente, em um filósofo de nome René Descartes. Do método cartesiano - fundamentalmente matemático - extraimos que o conhecimento das coisas se dá a partir da razão, e a melhor forma de conhecer é separar o objeto em tantas partes quanto possível, sendo que a soma de tudo me dará a resposta devida. Essa concepção gerou nosso sistema de disciplinas separadas, cada uma com seu método e objeto. É por isso que, quando abrimos qualquer manual jurídico, a primeira coisa que se reivindica a "autonomia do Direito...". A Criminologia sempre enfrentou dificuldades justamente porque, não sendo um campo específico (dependendo do lugar e tempo, desenvolveu-se a partir da sociologia, biologia, antropologia, psicanálise, psicologia, filosofia, etc.), jamais conquistou essa "autonomia".
Hoje, contudo, o que era virtude passou a ser defeito, e vice-versa. Mais importante que o fechamento disciplinar (puramente artificial) é a capacidade de se abrir a outros campos e integrar-se. Os fenômenos não se dão compartimentados; assim, não raro quando os recortamos perdemos partes significativas das suas elaborações. Os problemas jurídicos que o digam. Hoje em dia, apresentam-se cada vez mais permeados de dificuldades e surpresas, desafiando o intérprete a ultrapassar as fronteiras da dogmática para não mutilar a sua complexidade.
Dessa forma, a Criminologia - enquanto ponto de encontro de diversas disciplinas - tem hoje a possibilidade de ser ciência de ponta, pois desde sempre esteve submetida ao ideal interdisciplinar, que veremos melhor na próxima aula.
Embora não haja consenso sobre o conceito, objeto e método da criminologia, pelo menos há um relativo consenso de que a criminologia seja uma ciência empírica. Concordo com a importância dada à integração das disciplinas. Conforme o Prof. Harry Dammer, criminologia basicamente é o estudo do crime, dos criminosos e das razões para o crime.
ResponderExcluir