segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Aula 06

TEORIAS PSICOLÓGICAS DO CRIME

1) PSIQUIATRIA CRIMINAL

- Investigação sobre os comportamentos patológicos envolvendo delitos. Psicopatologia criminal. Ex. sadismo, masoquismo, esquizofrenia, psicopatia.
- Ênfase no método médico-psiquiátrico, com observação etiológica.
- Inimputáveis. Agem apenas como exceção e constituem exceção no sistema penal.

2) PSICOLOGIA COMPORTAMENTALISTA

- Base “behaviourista”, que analisa o comportamento a partir das respectivas respostas (positivas/reforço ou negativas/reforço negativo). Visão estímulo > resposta. Processos mentais internos são imensuráveis pela psicologia, que deve ter base empírica.
- Modelo de Pavlov e Skinner. Reflexos condicionados. Deslocamento das motivações internas dos indivíduos para as influências externas: estímulos e reforços.
Ex. ser humano é como o rato do laboratório que, tomando choques, não irá realizar mais aqueles atos .

2.1. TEORIA DO CONDICIONAMENTO (EYSENK)

- Positivismo científico (Influência de Pavlov);
- Behaviourismo;
• A propensão para o crime é universal, mas na maior parte dos casos é contrariada pela consciência da pessoa;
• A consciência é um sistema de respostas condicionadas, adquiridas durante infância e adolescência;
• É previsível que essa consciência surja infradesenvolvida pela ausência de estímulos familiares e sociais ou fraqueza congênita;
• Pessoas extrovertidas condicionam-se menos e, por isso, têm mais tendência ao crime;
• Ansiedade e neurose estimulam tendências introvertidas e extrovertidas, diminuindo ou aumentando a conduta anti-social.
- O crime ocorre pela ausência de consciência (reflexos interiores condicionados). A socialização consiste na aquisição de respostas condicionadas.
- Adjetivos como “mau”, “feio”, etc. se espalham por meio da generalização dos estímulos a determinados comportamentos.
- A consciência se expressa por: a) resistência à tentação e b) culpa.
- O que determina a consciência são fatores ambientais e de personalidade, especialmente estes. Personalidades com Mark of Caim.
- Cura em vez de castigo: a pena deve dar lugar a medidas de terapia.
- Resposta diferenciada conforme o indivíduo envolvido.

2.2. MODELO DA APRENDIZAGEM SOCIAL
- Proximidade com modelos sociológicos (Sutherland).
- Observação e mimetismo do comportamento alheio. A delinqüência se adquire a partir da interação com o meio, pela aprendizagem.

2.3. TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO MORAL E DO PROCESSO COGNITIVO
- Atribuem não à aprendizagem com modelos nem à resposta a estímulos determinados, mas ao modo de percepção próprio do mundo, que carregaria dificuldade de socialização.
- Orientação cognitiva, da Psicologia da Gestalt e de Piaget.
- Semelhança com Garófalo.

- Hoje em dia age em colaboração com a neurobiologia. Ex. pesquisa no cérebro dos adolescentes da PUCRS e UFRGS.

3. CRIMINOLOGIA PSICANALÍTICA

3.1. Criminologia e Psicanálise – Relações entre as teorias:
- Relações entre Criminologia e Psicanálise.
- FREUD – “terceira ferida narcísica” – descoberta do inconsciente.

3.2. Algumas correntes da psicanálise:

a) FREUD
b) JUNG, ADLER, REICH (revisões da teoria freudiana)
c) LACAN (fusão da psicanálise + estruturalismo)
d) FROMM, MARCUSE (psicanálise + marxismo + teoria crítica).

3.3. Fases do pensamento freudiano:

a) Princípio do Prazer e Princípio da Realidade.
- Separação entre os desejos do indivíduo e as restrições que a realidade impõe.
b) Narcisismo.
c) Teoria das pulsões. Primeira fase: Pulsão sexual X Pulsão de autoconservação. Pulsão de vida (Eros) X Pulsão de Morte (Thanathos).
- Pulsões: energias que se situam entre o fisiológico e o psicológico – entre o psíquico e o somático. Espécie de pressão que exige descarga.
- Primeira teoria (1915): A pulsão sexual (satisfação do órgão) apóia-se na de autoconservação. Quando como, me alimento (conservo) e tenho prazer oral. Pulsões sexuais são mais ligadas ao princípio do prazer; de autoconservação, ao princípio da realidade. Pulsões agressivas (sádicas, de domínio) estariam ligadas à pulsão sexual.
- Na segunda teoria (Além do Princípio do Prazer-1920), as pulsões desempenham papel de motores da vida orgânica.
- Pulsão de vida é a energia libidinal. Tendência à formação de todos maiores, unificação. Pulsões sexuais e de autoconservação são componentes.
- Pulsão de morte é o desejo de retorno ao inorgânico. Destruição. Princípio do Nirvana.

3.4. Divisões da Psique:

a) ID (OU ISSO):
- Componente inferior, desorganizado;
- Situado na fronteira entre o psíquico e o fisiológico;
- Comandado pelo princípio do prazer
- Fonte de energia do ego;

b) SUPEREGO (OU SUPER-EU OU IDEAL DE EU):
- “Idéia vulgar de consciência”;
- Imperativo categórico;
- Agência censória dos impulsos do Id;
- Introjeção da personalidade paterna;

c) EGO (OU EU):
- Instância intermediária;
- Superfície dos conflitos entre Id e Superego;
- Princípio da realidade;
- Compromisso entre o Id e o superego a partir da sublimação ou repressão (que, se o superego for tirânico, dá origem à culpa patológica).

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Na internet:

O que é psicologia comportamental? – Por Starling.

Behaviourismo na Wiki.

Links de Psicanálise na Internet – aqui, aqui, aqui e aqui.

Freud no youtube. (Há também documentários e vídeos com Jung, Lacan e outros.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Aula 05

O MODELO DA DEFESA SOCIAL


UNIÃO INTERNACIONAL DE DIREITO PENAL

-
Doutrina da Defesa Social
- "
Luta contra a criminalidade" como missão do DP;
-
Influência da sociologia e antropologia criminal - separação entre criminosos ocasionais e habituais, formas alternativas à pena e necessidade de correção do criminoso;
-
"Ecletismo" e ausência de unidade da UIDP - tentativa de conciliação dos clássicos e positivistas.

PERÍODO ENTRE-GUERRAS




- Familiaridade da defesa da pena de morte (neutralização).
- Medidas incorporadas ao Direito Positivo.
- Importação do modelo pela América Latina.
-
Auge da defesa social - Direito Penal do Autor (Nazismo, Fascismo).

DEFESA SOCIAL "HUMANISTA"
- Movimento posterior à II Segunda Guerra Mundial, baseado numa "reação aos totalitarismos".
- Alta influência na legislação e doutrina européia.
- Recomendação da ONU.

- Modelo que oscila entre o FILANTROPISMO e um CONTROLE SOCIAL INTENSO.

A "NOVA" DEFESA SOCIAL - MARC ANCEL
-
Discurso reformista.
- Prevenção do crime e tratamento do delinqüente.
- Desjuridização
- reação contra o tecnicismo jurídico e dogmatismo neoclássico;
- Distanciamento da idéia de retribuição para uma idéia de ressocialização.
- Crime como manifestação da personalidade do autor.

- Justiça Penal como ação social.

- Valores morais no sujeito
, em oposição ao Positivismo.
- Valoriza a responsabilidade.
- Equilíbrio entre doutrina penal e criminológica.

- Pena e Medida de Segurança, Culpabilidade e Periculosidade, seriam duas faces da mesma moeda.

- Ênfase positiva na ressocialização, em oposição à negativa de neutralização.

-
O juiz faz "prognose criminológica" e valorização da atividade pericial.
- Penas indeterminadas com sentido "corretivo" ou "curativo".


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Na Internet:

Direito Penal do inimigo e nazismo.
Campos de concentração na wikipedia. Campos de extermínio.
Nova Defesa Social.

Vídeos recomendados:


(Para seguir vendo o filme, basta clicar: http://www.youtube.com/view_play_list?p=83C314B3157DDD61&search_query=arquitetura+da+destrui%C3%A7%C3%A3o)





http://www.youtube.com/watch?v=kWofsOXwOSQ




quarta-feira, 16 de setembro de 2009

3. A FUNDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA – A SCUOLA POSITIVA



3.1. CONTEXTO HISTÓRICO


- Positivismo científico (Augusto Comte (1789-1857). Cientificismo. “Ciência, donde previsão; donde ação” (Comte).

- Obsessão pelo controle da natureza e pelos métodos das ciências naturais (empirismo).

- Evolucionismo (Darwin) – Darwinismo social (Tylor, Spencer). O homem é um “último anel” da cadeia evolutiva (Ferri).

- Era “orgânica” (Baumer). Ideal comum levaria a uma civilização superior (progresso). Visão da sociedade como “organismo natural” (Ferri).

- Substituição de uma visão crítica e individualista (Liberalismo) por uma visão mais organicista e romântica. Ex. Savigny, Escola Histórica do Direito, Volksgeist. Apesar disso, tem em comum a fé na ciência e na razão. Progresso do pensamento humano: 1) etapa teológica ou mágica; 2) etapa abstrata ou metafísica; e 3) etapa científica ou positiva.

- Sociologia nasce como “física social”. Política trata do “corpo social”.







3.2. CESARE LOMBROSO (1835-1909)



“O Homem Delinqüente” (1878)



- Médico psiquiatra italiano dedicado à antropologia criminal.

- Influência da psiquiatria criminal (Pinel, Esquirol – patologização do criminoso) e dos fisionomistas (Heackel);

- Do CRIME para o CRIMINOSO.

- Delinqüência como retardamento do sistema embrionário. Determinismo biológico.

- Delinqüente é um atávico. Criminoso nato. Problemas nas ossaturas do crânio. Fisionomia.

- Características dos criminosos: tatuagens, mancinismo (canhoto), suicídio, preguiça, zombaria, cânticos, gírias, lascívia, tamanho do crânio, raça, vinho e jogo, tabaco, etc.

- Ligação da mulher prostituta com a criminalidade;

- “Estética do Mal” (Zaffaroni). Possibilidade de catalogação das características do criminoso nato. “The Lombrosian Project” (Garland).







3.3. ENRICO FERRI (1856-1929)



“Sociologia Criminal” (1892)



- Advogado, homem público e militante político. Começou vinculado ao socialismo e terminou a vida nas fileiras do fascismo.

- Determinismo sociológico. A sociedade determina o comportamento individual. Não existe livre-arbítrio. Ataque à “Escola Clássica”. A punição do crime se dá pelo próprio fato de existir sociedade e por isso ser necessária a defesa social.

- Classificação dos criminosos: nato, ocasional, passional, habitual e louco.

- Múltiplas causas produzem o crime (sociais, biológicas, econômicas). As causas biológicas podem não se manifestar em determinados contextos sociais.

- Ideologia da Defesa Social. Base na periculosidade, com penas indeterminadas, baseadas na personalidade do autor. Substituição do sistema penal por um sistema médico-legal que atuaria com medidas.

- Defesa do método experimental, diferente do jurídico, pois o objeto não é mais a lei, e sim o homem delinqüente (“Em suma, a nova escola positiva não consiste unicamente, como havia parecido cômodo a alguns críticos, no estudo antropológico do criminal: constitui uma renovação completa, um câmbio radical de método científico no estado da patologia social criminal e do que há de mais eficaz entre os remédios sociais e jurídicos que nos oferece” - Ferri, 44).

- Absorção do Direito Penal pela Criminologia. O Direito Penal, se usado cientificamente, provocará sua própria extinção, pois será extirpada a doença social.




2.4. RAFAEL GAROFALO (1851-1934)



“Criminologia” (1885)



- Aristocrata que chegou a ser procurador do Reino. Versão jurídica do Positivismo Criminológico.

- Procura do conceito de “delito natural”.

- O pretenso empirismo contrasta com seu projeto.

- Havendo relativismo valorativo entre as diversas sociedades, apela para um conceito baseado nos sentimentos: piedade e probidade. O delito é uma lesão aos sentimentos de piedade e probidade.

- Determinismo psicológico: o criminoso é um anormal moral. Déficit moral na sua personalidade.

- As sociedades que não tenham chegado a isso são inferiores, sendo a sociedade européia mais evoluída (etnocentrismo).

- Defende a pena de morte para “irrecuperáveis” – o Estado mata seus inimigos internos, como se fosse uma guerra.




3.. A INFLUÊNCIA DA SCUOLA POSITIVA NO BRASIL



- Criminologia brasileira fundada por nomes como Clóvis Beviláqua, João Vieira de Araújo, Viveiros de Castro e Afrânio Peixoto.



2.5.1. NINA RODRIGUES (1862-1906)



“As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil” (1894).



– catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Bahia, em colaboração com Moniz Sodré.

- Desde Afrânio Peixoto e Beviláqua se procurava freios à miscigenação racial, que favorecia o crime.

- Orientação lombrosiana. Programa político-criminal que defenderia a minoria branca contra a degenerescência.

- Negros e índios inferiores culturalmente e com responsabilidade penal distinta do branco “civilizado”. Criminalidade brasileira ligada à mestiçagem.




A civilização ariana está representada no Brasil por uma fraca minoria de raça branca a quem coube o encargo de defendê-la... contra os atos anti-sociais das raças inferiores, sejam estes verdadeiros crimes no conceito dessas raças ou sejam, ao contrário, manifestações de conflito, da luta pela existência entre a civilização superior de raça branca e os esboços de civilização das raças conquistadas ou dominadas. (Del Olmo, 174)





- Defesa de vários códigos penais, de acordo com a formação racial de cada região.

- Afrânio Peixoto, Eugenia – “socioplástica” – “criar será um sacerdócio. Apenas escolhidos os mais dignos, biologicamente”.



2.5.2. TOBIAS BARRETO (1839-1889)



“Menores e Loucos” (1884)



- Jurista da Escola de Recife. Não tem uma obra sistemática.

- Seria necessário colocar a humanidade inteira em hospital para tratar da criminalidade.

- Revolta contra a invasão da psiquiatria sobre o Direito Penal.

- Resistência ao discurso racista e biologista, que no fundo apenas defendia o interesse das oligarquias dominantes.

O tema será discutido em maior intensidade no grupo de estudos em criminologia desse semestre.





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Complementos na Internet:


Positivismo científico na wiki.


"Discurso Preliminar sobre o Espírito Positivo", de Augusto Comte.


Cesare Lombroso na wiki.


Obras de Enrico Ferri.


Charles Darwin no youtube.


Método científico no youtube.


"Does Darwinian Evolution Lead to Social Darwinism?" no youtube.


Na Internet:


Nina Rodrigues na wiki.


Racismo colonial no Brasil.


Escola Positiva e Racismo.


Medicina Legal e Escola Positiva.


Brasil e eugenia.


Eugenia, por Goldim.


Tobias Barreto na wiki

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Aula 03

1. RUDIMENTOS DE CRIMINOLOGIA – A “ESCOLA CLÁSSICA”



1.1. CONTEXTO HISTÓRICO


- Iluminismo;

- Racionalismo;

- Contratualismo;

- Individualismo;

- Otimismo.


- “Escola Clássica” nunca existiu. Denominação que Enrico Ferri, da Escola Positivista, usou para atacar tudo que lhe antecedeu.

- Contratualismo e reação contra “obscurantismo” medieval. “Humanismo”.

- Idéia de indivíduo. Antropocentrismo. Bases racionais do poder.

- Crença nos ideais do Liberalismo Político (Rousseau e Montesquieu) e otimismo quanto ao papel da razão. A razão substitui Deus como fundamento. Substituição da estrutura fixa, rígida e hierarquizada da Idade Média por uma visão antropocêntrica, que se baseava na liberdade e na igualdade. Substituição de uma visão “orgânica” por uma visão “atomizada”.



Cesare Beccaria


1.2. CESARE BECCARIA (1738-1794)



“Dos Delitos e das Penas” (1764)



- Academia de Puigni, junto com os irmãos Verri.

- Utilitarismo e contratualismo (Rousseau, Fichte, Grotius).

- Leis claras e precisas. Juiz “boca da lei”.

- Contrato social em que cada um renuncia a sua liberdade para garantia do bem comum e segurança.

- Limites ao Poder estatal. O que está excede o contrato é ilegítimo. Proporcionalidade das penas. Pena rápida é mais eficaz que pena longa.

- Nega pena de morte e tortura. Transformação das penas cruéis (suplício) em penas privativas de liberdade.

- Modo geral, humanismo.



Francesco Carrara



1.2. FRANCESCO CARRARA (1805-1888)



“Programa de Direito Criminal”


- Utilitarismo substituído por um sistema metafísico (premissas jusnaturalistas). Contrato social. Livre-arbítrio.

- Direito Penal visa a resguardar a liberdade.

- Crime como ente jurídico.

- Culpabilidade. Pena como retribuição.

O Assassinato de Jean-Paul Marat, por Jacques-Louis David

1.3. JEAN-PAUL MARAT (1743-1793)



“Plano de Legislação Criminal”


- Contratualismo revolucionário.

- Pena como conteúdo talional, mas somente se a sociedade fosse justa.

- Os indivíduos que não têm os direitos contratuais garantidos não precisam cumprir a lei. Retornam ao estado de natureza.

- Conceito de co-culpabilidade.



1.4. CONSEQÜÊNCIAS



- Articula uma noção de limitação de poder que dá origem ao Direito Penal sistemático e dá limites à política criminal, a partir de garantias estabelecidas no contrato social.

- É um sistema metafísico, carece de empirismo. Não pergunta causas ou circunstâncias do delito, pressupõe um sujeito abstrato e universal com livre-arbítrio na sua decisão

- Dá, no máximo, o que chamamos de “modelo situacional” do delito, que pressupõe o sujeito decidindo a partir de um cálculo racional se deve ou não violar a lei. Modelo da “opção racional”.




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Na internet:


O que é Iluminismo? - Por Immanuel Kant.


Iluminismo na wiki.


Inquisição na wiki.


Dos delitos e das penas (Beccaria) virtual.


Resenha de Observações sobre a Tortura (Pietro Verri), por Dalmo Dallari.


Marat na wiki.


Marat-Sade (filme). No youtube.


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terça-feira, 1 de setembro de 2009

AULA 02 – EPISTEMOLOGIA DA CRIMINOLOGIA


EPISTEMOLOGIA DA CRIMINOLOGIA




  1. O QUE É EPISTEMOLOGIA?

  • Nosso medo dos termos filosóficos.

    Vivemos em uma época em que – pela agilidade da informação, burocratização excessiva e obsessão pela especialização das tarefas – perdemos o contato com a cultura filosófica. A filosofia virou algo destinado ou aos sábios ou aos "malucões". Em todo caso, algo descartável na nossa época da instantaneidade, da imagem, do espetáculo.



  • Paradoxo: o "inútil" saber filosófico é sempre um dos primeiros a ser proibido.


    Por que, então, quando ocorre um regime autoritário, os filósofos são alguns dos primeiros a serem perseguidos? Se seu saber é inútil, por que então persegui-los, e não os deixar falando sozinhos? Esse paradoxo já indica que há algo de errado nessa nossa crença. Tentemos verificar o que é.


    O que é "útil"?
    Quando digo a frase: "a filosofia é inútil", estou dizendo uma frase que pretende ter um sentido de verdade. E, por isso, está submetida a um juízo. Como justificar essa verdade? A partir de argumentos. Preciso argumentar para dizer que minha frase é verdadeira. Porém, para um filósofo, surge instantaneamente a pergunta: ao proferir a frase "a filosofia é inútil", o que queres dizer com inútil? O que é inútil ou, melhor dizendo, e já antecipando, o que é o útil? Alguém pode responder: útil é o que é bom para mim. E aqui o filósofo já abriria pelo menos mais dois flancos: o que é bom? O que é "para mim"? O bom é o que me dá prazer ou o que eu penso que é razoável? O "para mim" significa para meu eu ou para todas as pessoas em geral? Mas o filósofo poderia abrir ainda um terceiro flanco: poderia perguntar: o que significa a filosofia ser inútil? Significa que ela "não serve para nada"? E, por ela não servir para nada, eu não devo filosofar? Ou há coisas que "não servem para nada" e, mesmo assim, continuam sendo importantes? O critério para decidir algo é apenas o da utilidade?


  • Uma pista: já caímos na linguagem e na filosofia.

    A realidade parece nos indicar que, diante de toda nossa argumentação, a frase "a filosofia é inútil" já é, ela própria, filosófica. Quer dizer: na medida em que usamos palavras, na medida em que entramos na linguagem, já entramos na discussão filosófica. Quando dizemos "a filosofia é inútil" já sabemos o que significa "filosofia", "inútil" e que isso significa algo pejorativo. Porém não há escapatória: tudo que eu digo pode ser objeto de interrogação. E, por ser suscetível dessa interrogação, abre-se a possibilidade do pensar filosófico.


  • O que é a filosofia?
    Imaginem um prédio. O que enxergamos nesse prédio? Via de regra, enxergamos as cores das paredes, a iluminação, os sofás da sala de espera, as mesas, etc. Vemos a "decoração" ou a "fachada" do prédio. Mas será que esse prédio estaria em pé se não tivesse fundações sólidas? Sem fundações, é possível que o prédio fique em pé? Se não tivermos apoiados sobre sólidos fundamentos, adianta ter uma bela fachada ou uma decoração suntuosa? O que acontece com um prédio com fachada esplêndida e decoração fantástica, mas construído sobre material barato e frágil? A beleza da fachada pode "segurar" o prédio? Há um invisível do qual depende o visível?
    O visível – a fachada, a decoração – é sustentado pelo invisível – as fundações? Assim é a nossa metáfora. A filosofia fornece as fundações não-ditas de todos os nossos discursos. Enquanto falamos, estamos no logos, e, por isso, usando conceitos pré-dados. E, assim como o prédio depende da fundação, por mais belo que seja, também o nosso discurso depende dos fundamentos, por mais poderoso que seja. E – curioso – a fundação sobrevive sem o prédio, mas o prédio não sem a fundação. O invisível – aquilo que é pressuposto e não-pensado – sustenta o visível – aquilo que pensamos e dizemos. Então já sabemos que a filosofia cuida dessa parte invisível que sustenta o visível.
    Mas – como? Como a filosofia cuida daquilo que está presente o tempo inteiro no nosso discurso – do cotidiano ao científico? Aqui já nos aproximamos definitivamente do que poderíamos caracterizar como a filosofia. Como se dá a filosofia? A filosofia é um permanente filosofar. Muitos filósofos articulam o que poderíamos aproximar da idéia de "sistema filosófico", no qual eles articulam uma série de conceitos que formam o seu "pensamento". Assim, por exemplo, Platão, Descartes, Hegel. Mas o denominador comum no exercício filosófico é o próprio filosofar. Mas o que é filosofar? Filosofar é sempre questionar o óbvio. Tudo aquilo que aos olhos do não-filósofo soa como óbvio é, para o filósofo, justamente o objeto da questão. Filosofar é quebrar a crosta de obviedade que enjaula o sentido. É questionar o inquestionável, colocar em questão as maiores obviedades. Filosofar é desbanalizar o banal.

    A filosofia dá, portanto, os alicerces do pensamento.
    - "A sociedade não suporta mais a corrupção";
    - "João é acusado de pedofilia";
    - "Bom mesmo seria viver em um mundo sem drogas";
    - "Beto sofre de transtorno de personalidade anti-social";
    - "A sociedade já não é mais a mesma";
    - "Os alunos precisam de mais disciplina".

  • A epistemologia é a parte da filosofia que pensa a teoria do conhecimento. Por isso, toda ciência precisa passar por um crivo epistemológico. Para conhecer, é preciso saber como conhecer, o que é possível conhecer, etc. Não existe ciência que prescinda da interrogação filosófica, apenas algumas deixam as questões "entre parênteses".


  • A EPISTEMOLOGIA TRADICIONAL

  • Visão cartesiana do mundo.
    Passo 1. A plena certeza e a tábula rasa.
    O filósofo René Descartes tinha uma única preocupação em mente quando começou a refletir e tentar construir sua filosofia: construir um conhecimento do qual fosse possível ter plena certeza. Até aquele momento, a ciência e a filosofia eram ainda plenamente influenciadas pela Igreja Católica e, por isso, pela teologia, de modo que inúmeras questões de fé misturavam-se com questões da razão. Isso angustiava Descartes. Ele queria separar o conhecimento; queria fundar uma filosofia cuja verdade fosse assegurada não a partir da confiança ou da crença, mas da certeza matemática.
    Seu primeiro passo poderia ser chamado de "limpeza de terreno". Descartes não sabia mais direito o que era e o que não era confiável, pois tudo estava misturado à sua época. Por isso, ele resolveu radicalizar (todo verdadeiro filósofo é radical, pois a filosofia é radical nas suas indagações): lançou o que chamamos de dúvida hiperbólica. Descartes passou a duvidar de tudo e, com isso, "zerou" o conhecimento, fez a chamada tabula rasa.

  • Passo 2. A primeira certeza: o pensamento e o sujeito.
    Bom, a partir desse momento Descartes duvidava de tudo. Somente acreditaria naquilo que a razão confirmasse. Foi então que, diante do fogo, sozinho, Descartes teve "uma luz": se estou duvidando, estou pensando. Ninguém poderia duvidar disso. Não pressupunha qualquer fé específica. Se penso, existo. É o famoso: "cogito, ergo sum". Penso, logo existo. Isso seria válido para todas as pessoas em todos os lugares. Esse "eu" não é apenas René Descartes, mas qualquer um em qualquer tempo e em qualquer lugar. É um Eu neutro e universal.
    Com isso, a primeira crença da filosofia, cuja primeira pergunta é acerca do conhecimento, passa a ser a existência do sujeito. Cria-se a típica filosofia moderna: a chamada "filosofia do sujeito". O Eu – universal e neutro – é o ponto de apoio dessa filosofia.

  • Passo 3. Como conhecer o mundo: razão, objeto e divisão.
    Depois Descartes passou a investigar uma série de coisas, entre elas a existência de Deus.
    O que nos interessa, contudo, é que com esse tipo de indagação ele fixou determinado método e determinadas convicções acerca do conhecimento – portanto epistemológicas – ainda produzem significativos efeitos. Quais são essas convicções?
    Primeira: o sujeito do conhecimento é neutro e universal. Se nos basearmos na certeza que nos dá a razão lógico-matemática, os resultados indicarão convicções que transbordariam tempo, espaço e outros condicionantes.
    Segunda: o melhor método de obter o conhecimento é, diante do objeto, parti-lo na maior quantidade de partes possível, pois a soma das partes nos dará o todo. Assim, quanto mais dividirmos o objeto que olhamos, melhor nossa razão poderá olhar – parte a parte – e afirmar suas certezas.

  • A matriz científico-disciplinar da Modernidade
    Quais foram os resultados da aplicação da matriz cartesiana ao conhecimento e, conseqüentemente, ao ensino:
    Separação do conhecimento em diversas áreas, cada qual com método e objeto próprio. Por exemplo: a luta da teoria "pura" do direito de Hans Kelsen, no início do século XX, era justamente por construir uma ciência legítima, com método (normativo) e objeto próprio (a norma jurídica), separado, portanto, de áreas que "parasitariam" a ciência do direito (filosofia, com os valores, ou sociologia, com os fatos);
    Busca por autonomia em cada disciplina: a autonomia é parte da legitimidade de uma determinada ciência.
    Caso da Criminologia: a Criminologia sofria de um duplo problema: 1) não tinha um método claro, pois várias áreas disputavam o saber acerca do criminoso, do crime ou do desvio. Assim, não se sabia direito o que era "a" Criminologia, à medida que áreas totalmente heterogêneas como a medicina européia e a sociologia norte-americana reivindicam a "propriedade do terreno"; 2) não tinha objeto claro, pois alguns entendiam que criminoso era quem violava a lei penal, outros entendiam que era preciso um conceito mais amplo, de desvio. Sem falar nas disputas se a vítima ou o controle social faziam parte como objetos da Criminologia;
    Um caso: assim, quando se depara com um problema de família, por exemplo, o jurista só domina as normas jurídicas que tratam do Direito de Família. Se ele tiver que analisar um conflito de violência doméstica, ele olhará tudo sob o prisma do direito. Se ele perceber que há problemas psicológicos, deve chamar um psicólogo. Se as pessoas que chegam a ele são de área culturalmente distinta, ele não é capaz de enxergar, porque não conhece antropologia. Sua resposta é uma única: lícito ou ilícito.


  • A EPISTEMOLOGIA CONTEMPORÂNEA
    A Ruptura com a Filosofia do Sujeito
    Duas grandes críticas foram feitas à filosofia do sujeito – pilar fundamental da construção de Descartes e de todo conhecimento moderno. Essas críticas foram as seguintes:
    Inconsciente (Freud):
    A primeira grande fissura feita na idéia de sujeito de Descartes – que parecia tão inequívoca – é de que esse sujeito parece estar sempre "consciente de si", seguro de si. Assim, nossa relação com o mundo se daria a partir da razão e, portanto, da consciência. No entanto, Sigmund Freud questionou essa primazia no início do século XX.
    A descoberta de Freud foi a chamada existência do inconsciente, ou seja, que o ser humano "não é dono da sua casa". Existe uma camada psíquica poderosa que nos conduz nas ações sem que percebamos na nossa consciência. Assim, muitas e muitas vezes somos guiados por desejos inconscientes sem que o notemos. O "Eu" não é soberano. (Para brincar com a terminologia freudiana, ele é incomodado tanto por um "super-eu" quanto por um "isso").
    Portanto, aquele "Eu soberano", todo-poderoso dono de uma razão que lhe assegura a verdade das coisas com bases nas certezas, não raro está envolto em circunstâncias que não domina nem um pouco, que são apenas projeções e assim por diante.
    b) Linguagem (Heidegger, Wittgenstein, Saussure)
    As mais diversas tradições filosóficas, com o tempo, chegaram à mesma conclusão: não existe pensamento sem linguagem. Portanto, ao contrário do que Descartes pensava, quando começo a duvidar ou pensar, a linguagem já está lá. E, portanto, quando o Eu aparece como condição da certeza, é porque ele já foi formado pela linguagem. Com isso, desbanca-se uma crença fundamental: o "Eu" não está separado do mundo. Quando o "Eu" se forma, o mundo já chegou. O "Eu" não pode ser o pilar fundamental porque simplesmente ele vem depois da linguagem. Para perceber isso, basta pensarmos em algo simples: quem seríamos nós se não tivéssemos linguagem?
    Outros exemplos de questionamentos da filosofia do sujeito seriam possíveis (são inúmeros!). Basta citar autores como Lévi-Strauss, Michel Foucault, os movimentos transversais, etc. Todas essas posições confluem para o mesmo ponto: o sujeito universal, neutro e basilar da teoria cartesiana não existe.

  • 2. O Objeto: quando as simetrias não são verdadeiras
    a) O todo e as partes.
    O todo é igual à soma das partes; a soma das partes é igual ao todo, certo? Bem, nem sempre essa inequívoca formulação matemática é aplicável ao conhecimento. Por vezes, a soma das partes é maior que o todo. Pensemos, por exemplo, na nossa posição aqui: vocês, alunos, me ouvindo no papel de alunos; eu, professor, falando na condição de professor. Nós não exercemos outra série de papéis e somos muito mais do que as nossas posições de agora? Somos mais que o todo que formamos. E, por vezes, o todo é maior que a soma das partes. Há fenômenos em que, quando desagregadas as partes, perdemos características que só existem no todo. Podemos usar o mesmo exemplo: ao nos juntarmos aqui, ganhamos algo que perdemos quando nos separamos. Decompor essa turma em várias partes – analisando vocês e eu um-a-um – faria com que perdêssemos toda dinâmica que só se forma a partir do momento em que estamos reunidos.

  • b) Compartimentação. Cegueira.
    A compartimentação dos problemas acaba provocando cegueira em relação a outros aspectos importantes do problema. Um problema jurídico, por exemplo, não é apenas um problema jurídico, mas via de regra um problema político, comportamental, psicológico, cultural, etc.
    O problema não é apenas que o jurista, por exemplo, esquece outras dimensões do fenômeno, ou as entrega cegamente para outros "especialistas". O problema é que não raro ele toma a parte pelo todo, e passa a considerar que a dimensão jurídica esgota a totalidade do fenômeno. Nesse caso, a cegueira se combina com certo narcisismo.

  • POSIÇÃO DE CRIMINOLOGIA NA EPISTEMOLOGIA CONTEMPORÂNEA
    O que era defeito virou virtude. A ausência de fechamento e especificidade da Criminologia, de demérito, transformou-se em virtude. Se o que se busca agora não é mais a compartimentação, fragmentariedade, mas a integração e o diálogo entre as áreas, a virtude da Criminologia é que, desde sempre, ela de certa forma espelhou esse diálogo.
    Multidisciplinaridade. A "multidisciplinaridade", que chegou a ser moda durante uma época, nada mais é que uma soma de enfoques, em que cada "especialista" fica encerrado em uma determinada área sem se deixar provocar pela outra. Por isso, é um processo insuficiente para dar conta da complexidade contemporânea.
    Interdisciplinaridade. A interdisciplinaridade é o destino da Criminologia. Significa reunir os mais diversos saberes em um todo integrado, em que as áreas dialogam e se complementam entre si, sob a harmonia de uma matriz epistemológica integrativa, em que a abertura para a diferença esteja colocada.
    Transdisciplinaridade. Possibilidade de rompimento de qualquer vínculo disciplinar e atravessamento dos campos por questões oriundas de outros, sem falar na possibilidade de recebimento de áreas distintas como a ética, a arte e a filosofia em geral.
    Todo saber é um saber eticamente implicado. Não existe sujeito neutro nem saber sem implicação ética, mesmo que seja apenas o conhecimento desinteressado. Portanto, a questão metodológica deve sempre estar atento às questões éticas que se põe diante da pesquisa.










Trecho de "Que é isto - a filosofia?", de Martin Heidegger, extraído do manual de Marilena Chaiú.


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quarta-feira, 19 de agosto de 2009


AULA 01

O QUE É CRIMINOLOGIA? QUAL É O OBJETO DA CRIMINOLOGIA? QUAL É O MÉTODO DA CRIMINOLOGIA?


Essas três perguntas refletem o modo científico de fazer as mesmas perguntas que um leigo faz quando se depara com um assunto novo: o que é isso? Busca o quê? Como se faz? O cientista pergunta de modo mais técnico e, por isso, mais rigoroso. A diferença entre o olhar científico e o olhar do leigo para o fenômeno criminal é sempre essa: enquanto o leigo geralmente assinala suas observações sem preocupação com rigor, método e racionalidade, o cientista tem justamente em vista elaborar um conjunto de conhecimentos racionalmente articulados.
O paradoxal -- e até pouco tempo bastante problemático -- é que a Criminologia não tinha, nem tem, resposta exata para qualquer uma das três (básicas) questões.
O que é Criminologia? Uma pergunta ontológica (sem medo de termos filosóficos! - ontologia é a parte da filosofia que investiga o ser das coisas, ou seja, o que as faz ser o que são). Existe algum consenso sobre isso? Não exatamente. Na realidade, ao longo do tempo vamos observar que a história da Criminologia é justamente a história das batalhas entre os discursos que reivindicam para si esse nome, ainda que seja bastante heterogêneos entre si. Assim, em Lombroso é a biologia que reivindica ser a Criminologia; na Escola de Chicago, a sociologia; em Alexander, a psicanálise. Portanto, é difícil definir exatamente o que seja esse nome. Sequer temos consenso, por exemplo, acerca da data do seu surgimento.
O maior dos pensadores criminais da América Latina (e talvez do mundo), Eugenio Raúl Zaffaroni, certa vez escreveu que os primeiros criminólogos foram os demonólogos medievais, o primeiro tratado de Criminologia o "Malleus Maleficarum" (Martelo das Feiticeiras, livro que tratava de descrever as características das bruxas) e os primeiros criminólogos clínicos os exorcistas. Porém, "oficialmente", a Criminologia é produto do pensamento do século XIX, fundada pelo médico italiano Cesare Lombroso, inspirado no Positivismo e na necessidade de investigação científica do criminoso (veremos melhor isso adiante).
Uma coisa, no entanto, é relativamente consensual: a Criminologia é uma ciência empírica. Isso significa pelo menos que não podemos a confundir nem com os lugares-comuns que circulam na nossa realidade, nem com proposições de ordem metafísica sobre o crime. Quando afirmamos "metafísica" (mais um termo filosófico; aos poucos aprenderemos a usá-los) estamos nos referindo a proposições pressupostas; ou seja, descrições de eventos que não têm registro factual, que não se deram no mundo, que não são produtos da observação acerca de fenômenos concretos do mundo real. Isso abrange, por exemplo, desde a conhecidíssima teoria do contrato social (seres humanos em estado de natureza reunem-se para elaborar um contrato em que garantem a paz coletiva e passam ao estado civil) até crenças na eleição divina acerca do bem e do mal (os bons seriam descendentes de Abel; os maus, de Caim). Não temos provas históricas de que tal pacto tenha existido; tampouco que Caim e Abel sejam personagens reais. Dizer, portanto, que a Criminologia é ciência empírica significa afirmar que ela busca articular-se a partir do conhecimento empírico e constituir-se em um conjunto coerente (racional) de observações e teorias.
E o objeto? Tampouco aqui temos consenso. Muito se discutiu, por exemplo, se o objeto da Criminologia deveria ser o "crime" -- a definição prevista na lei penal --, ou o "desvio", como prefere a sociologia dos EUA. Optar por qual dos dois? E a vítima, também pode ser objeto da Criminologia?
O mesmo que ocorre com a questão da essência da Criminologia igualmente está presente no objeto: a história da Criminologia é uma batalha de discursos que pretendem definir o objeto da Criminologia. O Positivismo Criminológico, por exemplo, considera o "homem criminoso" como seu objeto principal. A Criminologia Crítica, no outro oposto, considera apenas o controle social. Teremos tempo de ver cada uma dessas hipóteses. Nesse momento, no entanto, vamos definir o objeto apenas a partir do somatório (e não do mínimo denominador comum, como fizemos antes) de tudo que poderia investigar, em tese, a Criminologia: criminoso, vítima, público e controle social. Antes de termos a perspectiva global das teorias, não conseguiremos capturar com exatidão o que significam essas diferenças em torno do objeto.
Por fim, o método. Veremos isso melhor no próximo encontro. Nossa matriz de conhecimento baseia-se, fundamentalmente, em um filósofo de nome René Descartes. Do método cartesiano - fundamentalmente matemático - extraimos que o conhecimento das coisas se dá a partir da razão, e a melhor forma de conhecer é separar o objeto em tantas partes quanto possível, sendo que a soma de tudo me dará a resposta devida. Essa concepção gerou nosso sistema de disciplinas separadas, cada uma com seu método e objeto. É por isso que, quando abrimos qualquer manual jurídico, a primeira coisa que se reivindica a "autonomia do Direito...". A Criminologia sempre enfrentou dificuldades justamente porque, não sendo um campo específico (dependendo do lugar e tempo, desenvolveu-se a partir da sociologia, biologia, antropologia, psicanálise, psicologia, filosofia, etc.), jamais conquistou essa "autonomia".
Hoje, contudo, o que era virtude passou a ser defeito, e vice-versa. Mais importante que o fechamento disciplinar (puramente artificial) é a capacidade de se abrir a outros campos e integrar-se. Os fenômenos não se dão compartimentados; assim, não raro quando os recortamos perdemos partes significativas das suas elaborações. Os problemas jurídicos que o digam. Hoje em dia, apresentam-se cada vez mais permeados de dificuldades e surpresas, desafiando o intérprete a ultrapassar as fronteiras da dogmática para não mutilar a sua complexidade.
Dessa forma, a Criminologia - enquanto ponto de encontro de diversas disciplinas - tem hoje a possibilidade de ser ciência de ponta, pois desde sempre esteve submetida ao ideal interdisciplinar, que veremos melhor na próxima aula.





Um estilo de Criminologia.